1/27/2007

Que cidade queremos?

A opinião de ( Publico local de 27-01-07)

Parece ter virado moda: de cada vez que em Portugal um promotor imobiliário pretende fazer aprovar um projecto que não "cabe" no Plano Director Municipal (PDM) - em razão da altura das cérceas, da excessiva densidade de construção, ou de ambas -, entrega-o a um nome sonante da arquitectura para melhor o fazer "passar": é o que está a acontecer mais uma vez com os projectos de Norman Forster para Santos e de Ricardo Bofill para as Picoas, em Lisboa, apresentados com a aura de "arquitectura de autor" - como se toda a restante arquitectura não tivesse autor e como se tal cunho bastasse para autorizar, a priori, toda e qualquer obra sua.
Convirá assim recordar que cada obra - incluindo as ditas "de autor" - vale, ou não, por si própria, na sua relação com o sítio, o quadro envolvente e a história, os quais consubstanciam a sua "circunstância", para transpor para a arquitectura o conhecido conceito de Ortega y Gasset. E o valor estético de uma obra de arquitectura não deve ser jamais dissociado do seu impacto urbanístico na apreciação que dela fazemos. A sua conformação topográfica e urbanística é uma condição da sua existência. Por isso, entendemos também que reduzir a discussão em torno da construção ou não de torres na cidade a uma questão de beleza ou de gosto descentra e falseia a própria discussão. Pelo seu impacto urbanístico, uma torre não é nunca uma mera peça escultórica!
Que visa a referida estratégia? Duas coisas: intimidar os cidadãos com a "autoridade" dos nomes e, sob o pretexto de que estão em causa projectos de excepcional valor arquitectónico, forçar o contornamento do PDM através da elaboração de planos de pormenor, também eles de excepção, feitos por medida.
Perguntar-se-á: mas pode um plano de pormenor, instrumento de gestão territorial subordinado ao PDM, estar em desacordo com este? Por extravagante que pareça, pode. Atente-se no Decreto-Lei 380/99, que estabelece o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, e no seu art.º 80 (Ratificação), todo ele um mimo de subversão da lei pela própria lei, alçapão pelo qual a lei é evacuada para, em toda a legalidade, dar lugar ao livre arbítrio dos homens. Reza o seu n.º 3: "Quando não se verifique a conformidade devida [com as disposições legais e regulamentares vigentes, bem como com quaisquer outros instrumentos de gestão territorial eficazes], o Governo pode ainda proceder à ratificação no caso de [...] e) O plano de pormenor, não obstante a desconformidade com o plano director municipal ou o plano de urbanização, ter sido objecto de parecer favorável da comissão de coordenação regional".
Assim a apreciação subjectiva e casuística das CCR e do próprio Governo dá cobertura legal a tais projectos, mesmo que em violação do PDM e da demais legislação e regulamentação urbanística!

O exemplo do projecto de Bofill
Eis o xeque-mate legal que abre a porta àquilo a que poderíamos chamar o tratamento VIP da especulação imobiliária. Este começa, aliás, no próprio poder autárquico. Recordemos a declaração da vereadora do urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa recolhida pelo jornal Expresso de 23 de Setembro último a propósito desta temática: "As torres permitem libertar espaço público à superfície. Com esse espaço é possível construir mais fruições". Confrontemo-la, por exemplo, com o projecto de Bofill para as Picoas: a ir avante, a torre surgirá no mesmíssimo gaveto anteriormente ocupado por um palacete rodeado de um jardim, entretanto demolido. O "espaço" que a torre viria "libertar" é o volume em altura acima do ocupado pelo palacete e pelo jardim, ou seja, 20 e muitos pisos! Nem é público nem permite "construir fruições" nenhumas (a não ser, naturalmente, a fruição que resulta da multiplicação do capital, mas essa é pelos seus promotores que é "fruída").
Esse projecto inscreve-se, aliás, numa estratégia mais vasta de alteamento das cérceas na Av. Fontes Pereira de Melo para os cerca de 30 pisos/100 metros de altura, a que o referido plano de pormenor viria dar "cobertura legal". A concretizar-se, não só subverterá o PDM como violará igualmente, entre outras - e a coberto do referido art.º 80 do Decreto-Lei 380/99 -, aquela que é uma das regras de ouro do urbanismo, a chamada "regra dos 45º", consagrada no art.º 59 do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, segundo o qual "a altura de qualquer edificação será fixada de forma que [...] não ultrapasse o limite definido pela linha recta a 45º traçada [...] a partir do alinhamento da edificação fronteira [...]"!
Que o próprio poder autárquico apadrinhe tamanho desvario urbanístico representa, a nosso ver, um abuso e desvio de poder: não foi para favorecer a mais desaforada especulação que ele foi eleito, mas para promover o interesse público, zelando pelo direito dos cidadãos a viver numa cidade habitável! E que um cancro legal como o acima referido exista e lhe dê "cobertura" é uma afronta à ética, ao direito e à cidadania!
Convém não esquecer que, se o lucro da especulação que as torres servem é privado, o seu custo é público: por regra, atentam contra a cidade, a sua sustentabilidade urbanística e ambiental e o homem; o que trazem é rotura de escala, hiperdensificação, congestionamento, desumanização.
Os inúmeros projectos "em carteira" para Lisboa não deixam dúvidas: aí, as torres libertam espaço à superfície... para a construção de outras torres. Não é por acaso que a torre de Bofill vem "ombrear" com o Sheraton próximo: é bem mais fácil fazê-la "passar" no quadro de rotura que este já criou. E mais fácil será fazer passar outras naquele local existindo já aquelas duas!
O propósito que lhes subjaz tem tudo a ganhar com a desconstrução da cidade e com a destruição da memória que a acompanha. Quanto mais homogénea e legível na sua homogeneidade for a cidade, melhor ela resistirá à predação. E, inversamente, quanto mais desordenada for, mais exposta à predação estará.
A arquitectura e o urbanismo só podem vingar enquanto artes de construção da cidade na duração e na regra. Ora o espaço urbano é, cada vez mais, alvo de uma ganância especulativa que o vê como um bem consumível a explorar na imediatez da oportunidade e ao sabor da mesma, ganância essa para a qual regra e estabilidade legal são um estorvo. E não nos deve surpreender que "autores" de arquitectura - que são empresários da arquitectura também, com ateliers de dezenas de pessoas a trabalhar para si - estejam prontos a servi-la, teorizando, se preciso for, sobre as vantagens da construção em altura. As suas, ao menos, são inegáveis, com o que tais projectos lhes dão a ganhar.

Alargar o exercício da cidadania
É contra esta "visão" de cidade "do tempo breve", da instantaneidade aleatória, que aposta na rentabilização extrema do seu espaço, vandalizando-o, que nos cabe agir, salvando o que ainda pode ser salvo e travando o desurbanismo que por aí campeia. É possível contrapor-lhe uma concepção de cidade que, projectando-se no tempo, aposte na renovação e revitalização do património edificado, na recuperação dos quarteirões, na recomposição, num urbanismo modular e sustentável, virado para o homem e respeitador do ambiente. Sem um sobressalto cívico, muito horror urbano nos espera!
Neste quadro, o espaço reservado ao efectivo exercício da cidadania - que é, antes de mais, participação continuada, a diversos níveis, na vida e na governação da cidade - é demasiado limitativo, encontrando-se nele os interesses dos cidadãos insuficientemente protegidos.
As nossas cidades não deixarão de se degradar enquanto esta marginalização dos cidadãos se mantiver. É para reequilibrar um barco que adorna sempre para o lado errado que pomos quatro ideias à consideração pública: o alargamento do âmbito da discussão e da participação pública, de forma simplificada, a projectos de edificação a partir, por exemplo, dos 1000 m2 de área; a colocação obrigatória de maquetas destes projectos nas juntas de freguesia, para apreciação pública; a possibilidade de referendo vinculativo à escala municipal e/ou de freguesia sobre projectos arquitectónicos ou urbanísticos que dêem origem a uma petição assinada por uma dada percentagem mínima de residentes (p. ex., três ou cinco por cento); e por último, mas não de somenos, o princípio da criação de uma área verde mínima por área construída em cada novo loteamento (por ex., 1 m2 de área verde por 4 m2 de área construída), vertendo todos estes princípios na lei.
E o bem comum exige que a lei seja expurgada quanto antes de cancros legais como o acima identificado e que princípios universalmente reconhecidos e inscritos na lei, como a regra dos 45º, sejam cumpridos escrupulosamente!
Os cidadãos, que deveriam ser actores incontornáveis na governação da cidade, têm vivido arredados do palco onde as decisões se tomam - quantas vezes em seu detrimento. É com eles que urge repensar a cidade, alargando o espaço da cidadania. Julgamos que as vias aqui propostas permitem fazê-lo. Eles, melhor do que ninguém, a saberão defender. Têm nisso, aliás, todo o interesse!

1/18/2007

Mesquita de Lisboa entra na última fase de obras

Kátia Catulo
Rodrigo Cabrita (foto)
DN

A Mesquita de Lisboa entrou na terceira e última fase de obras. Inaugurada em 1985 com a construção da sala de culto, os trabalhos no templo muçulmano estarão terminados no final deste ano. A data de conclusão, porém, dependerá da capacidade da Comunidade Islâmica de Lisboa (CIL) para angariar os donativos que visam ampliar este espaço junto à Praça de Espanha.

"Trata-se de obras que no total levaram 27 anos a ficar prontas. Mas estes cálculos só estarão certos se conseguirmos atingir o nosso objectivo que é concluir os trabalhos até ao fim de 2007", esclareceu Mahomed Abed, membro da comissão de obras da Mesquita de Lisboa. São necessários, portanto, cerca de três milhões de euros para terminar o revestimento em tijolo no exterior da mesquita, instalar um sistema de aquecimento de águas com recurso a energia solar, construir um pavilhão multiusos ou um salão nobre com capacidade para 700 pessoas.

Parte destes fundos já está garantido com donativos vindos de vários países islâmicos. "A cobertura das cúpulas e do topo do minarete foi uma oferta de um empresário iraquiano e de uma empresa estatal iraniana que desejam manter o anonimato", explicou Abed, esclarecendo ainda que os mármores que irão revestir o salão nobre e o átrio são um contributo do Estado turco. Os restantes donativos chegam de empresários e famílias da CIL: "Todos contribuem, desde o mais pequeno ao mais poderoso."

Após as obras, a Mesquita de Lisboa irá aumentar a sua capacidade: "Em dias festivos, como o fim do Ramadão, conseguimos acolher cerca de três mil pessoas nas nossas instalações. Com o fim dos trabalhos esperamos aumentar esse número para 4500 pessoas."

Aberto à população residente

As novas valências da mesquita não se destinam apenas à comunidade islâmica. Mahomed Abed explicou ao DN que um dos objectivos passa por colocar o pavilhão multiusos à disposição da população residente: "Os moradores poderão usar o espaço para praticar ginástica e outros desportos. Penso que o pavilhão será uma vantagem para esta zona da cidade, onde não existem muitos equipamentos desportivos."

As obras, que decorrem desde finais de 2005, não irão afectar a actividade regular do templo muçulmano, que, além do horário de culto, continuará a acolher o curso de árabe todas as quartas-feiras entre as 18.00 e as 20.00. As aulas são gratuitas e ministradas por David Munir, xeque da Mesquita de Lisboa: "Esta é uma iniciativa que tem registado a adesão de todo o tipo de pessoas. Basta dizer que 90% dos alunos não pertencem à comunidade islâmica."

Curiosidade pelo Islão

A curiosidade pelo Islão cresceu com a Guerra do Golfo (1990) e após os atentados de 11 de Setembro, esclareceu o responsável, adiantando que a Mesquita de Lisboa recebe todos os dias visitas de alunos de escolas de todo o País: "Só no ano passado passaram por aqui mais de oito mil estudantes."

Foi esse interesse, aliás, que levou Yiossuf Mohamad Adamgy, director da revista Al Furqán, a criar a Feira do Livro Islâmico nas instalações da mesquita. A mostra realiza-se desde 1997 e repete-se todos os anos durante a última semana do mês do Ramadão (este ano, em meados de Outubro). O evento foi para muitos a primeira oportunidade de entrar na Mesquita de Lisboa. "As pessoas pensavam que se tratava de um lugar proibido e a feira do livro veio quebrar este tabu", contou Yiossuf Mohamad Adamgy